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Textos


Observar Territórios

A exposição Observar Territórios celebra os quinze anos da OÁ Galeria - arte contemporânea unindo, pela primeira vez, as pesquisas poéticas de Aline Moreno e Manoel Novello. 

 Comemorar, sabe-se, é trazer à memória. É assim que convidamos o público visitante a refletir sobre o nosso estar no mundo e sobre as paisagens que habitamos. É verdade que o próprio mundo mudou muito nesses últimos anos. Onde estávamos mesmo quinze anos atrás? que sonhos projetamos para o futuro? e agora que o futuro chegou, que lugar é esse que construímos? 

 Observar Territórios nos orienta olhar para o agora. Somos instados a descobrir nos trabalhos perspectivas e escalas completamente distintas. Vamos pouco a pouco entendendo o universo de cada artista, uma aproximação que depende da nossa atenção.

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 De um lado da galeria, percorremos, com Manoel Novello, a cidade, essa pulsão animada de vida, lugar onde os encontros são tecidos e os desejos entrelaçados. O artista observa e descreve com minúcia essa paisagem que lhe é próxima. Construída pela mão humana, é ao mesmo tempo natural e artificial, tem tanto da velocidade do progresso quanto do esmero ao detalhe, do acabamento. Parece que vamos caminhando com ele, ao reconhecer nas geometrias apresentadas, fragmentos de construções. Mas o artista se debruça menos sobre a vertigem da cidade e mais sobre a flor drummondiana, que resistindo às contradições da vida bruta e concreta, insiste em nascer e florir. Essa força que brota, insistente, na tela, acumula camadas e se repete sobre a superfície, cobrindo de tinta e criando volume. Recebe, finalmente, um gesto do artista, que feito corte, faz irradiar luz (esperança?) desafiando a perspectiva ótica.

 Do outro lado, com Aline Moreno, vamos mais alto e contemplamos o silêncio da paisagem, esquecemos por hora os deslocamentos na cidade. Nessa outra forma de percorrer o território, com o sobrevôo de lugares desconhecidos, vemos sombras e linhas sinuosas desenharem contornos que indicam massas e altitudes. Apertamos o olho, forçamos a memória: as montanhas são estranhamente familiares. A artista faz repetir então essa coleção de imagens que se apresentam fragmentadas. Ora também propõe cortar, criando planos que seccionam montanhas; ora nos apresenta uma série de relevos lado a lado, como para expandir um “sentimento de paisagem”. Em um pêndulo entre a realidade e a ficção, explora as várias qualidades materiais que a virtualidade e a fisicalidade trazem à imagem, dotando-as de dimensão, textura e corpo.

 Cada artista desenha, à sua maneira, uma espécie de interface com o que está ao seu redor. Nesse exercício de representação, de simulacro, imaginar é imagear; é criar realidades outras: não como fuga, mas como utopia, importante exercício de esperançar manifesto na fragilidade do nosso tempo. Onde queremos estar daqui quinze anos? Como serão nossos territórios?

Clara Sampaio

Curadora 



Manoel Novello – Tempo e Lugar 
LUIZA INTERLENGHI para a exposição TEMPO E LUGAR na 
Galeria GABYINDIODACOSTAartecontemporânea, Rio de Janeiro. Abril, 2019

As pinturas e desenhos de Manoel Novello examinam o impacto mútuo entre cor e desenho. Desafiam certo legado da pintura e da arquitetura do século XX, que convergiram na valorização da estrutura geométrica do espaço. Livre da imposição de pureza formal, sua poética retoma o espaço modernista à luz de uma contraditória ordem sensível, subjetiva, local; marcada pelo artesanal, por tentativas, falhas e conquistas. O artista testa as margens contemporâneas daqueles conceitos e de suas oposições – pintura e desenho, cor e linha, plano e grade geométrica. Com formação em arquitetura na FAU, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e, em pintura, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Novello ressignifica a ideia de construção implicada nestas práticas, por meio de tramas e derivações da cor. Mas força seus limites. Sobrepõe dois tipos de grade: a linear isométrica (em diagonal), associada à arquitetura, e outra retangular, que remete ao formato do quadro na pintura de paisagem. Entretanto, as desestabiliza, instaura tensões entre ambas – enquanto as ortogonais concorrem com as bordas do quadro, as diagonais sugerem a terceira dimensão e uma alternância para o espaço exterior. 

Entre fugas e pausas, na pintura Jaraguá, central em Tempo e Lugar, o curso do olhar é levado a investigar múltiplos atravessamentos de linhas e planos; a mapear a cor como espaço, na extensão da tela de grande formato. Na base do quadro, azuis, verdes, vermelhos, cinzas e negro estabelecem uma região densa percebida como próxima ao espaço externo. A luz dos brancos, na parte superior, sugere recuo, distância. Já as linhas, por vezes veladas por camadas sobrepostas, voltam à superfície pela emissão da cor. Jaraguá ativa estes fluxos em estruturas visuais que remontam ao que está fora – a cidade, o dia, os muros –, embora se afirme como pura pintura (no sentido modernista). O branco é tomado de modo ambivalente, como pigmento depositado na tela, mas também como luminosidade que toma o espaço. Aquela luz que invade o estúdio do artista, situado numa construção modernista voltada para a enseada de Botafogo, retorna, talvez, à pintura por intermédio dos brancos que aqui se expandem. 

Essa luminosidade solar, que tende ao monocromo, tão própria do Rio de Janeiro, cidade em que vive, prevalece nas quatro pinturas horizontais da série Praia das Pedrinhas, de menor escala. As linhas mais superficiais, traçadas em relevo por acúmulo de matéria, têm o dinamismo reforçado por uma sombra vermelha que resta sob o branco. As demais são definidas pelo vazio deixado pela tinta arrancada. No eixo vertical, os retângulos não coincidem com o enquadramento, nem se completam nas extremidades. Para além das movimentações internas do olhar, de seu deslizamento inquieto, as linhas tendem a se expandir para fora. Porém, trazem de volta certo rastro do mundo: lugar, urbe. 

Nas pinturas sobre papel da série Baía da Guanabara, a cor desafia intensamente as linhas com diferentes estratégias: por vezes conquista espaço e avança além do retângulo até a diagonal, por outras camufla as bordas, soma segmentos internos e agrega a vizinhança em massas de cor que desestabilizam as relações entre plano e espaço. Agrupados ou isoladamente, os retângulos de cor, que fortalecem a percepção do plano, são projetados para frente ou para trás. Por suas variações cromáticas, rompem a sucessão das linhas com lacunas, continuidades, alternâncias: instabilidades espaciais que não cessam nem se resolvem.

Tanto em Jaraguá como nas demais pinturas, a grade retangular em grafite é apenas entrevista. Contudo, nos desenhos, está claramente visível como base sobre a qual as diagonais são lançadas.  Todos realizados em 2018 e numerados em sequência temporal (mês, dia, ano e hora), os desenhos partem de uma redução da cor à própria linha. Em três destes desenhos, hexágonos traçados em vermelho, verde e azul são projetados no espaço pela ilusão de figuras cúbicas. Mas, logo cedem e voltam ao plano. Noutra série, de diferentes formatos e duplas diagonais, é a variação na espessura da linha que pontualmente provoca esta ilusão (muros, caixas, construções urbanas). Ambos resgatam, em parte, leis da percepção estudadas na Teoria da Gestalt e caras aos concretistas, que demonstram como o olhar trabalha – une, separa, fecha, alterna – certos conjuntos de formas independentes. Novello mobiliza e acentua pela cor esta atividade perceptiva de modo a enfatizar sua dimensão temporal, na ordem da experiência. Se, nas pinturas, estas relações se tornam extremamente complexas, juntos, desenho e pintura, evidenciam o interesse do artista por uma posição entre sensibilidade e razão; como se, das experiências de Josef Albers com a percepção de cores próximas na série Homenagem ao quadrado, pudessem derivar tentativas impuras, para além do quadrado. 

As investigações da cor e da linha, aqui reunidas, cruzam passagens decisivas do modernismo europeu (abstração geométrica), retomadas, na arte brasileira, na década de 1950, em que houve tensão e ruptura entre o conceito e a experiência sensível.  Após a adesão inicial à objetividade da arte concreta, houve sua impregnação pela vida, com o neoconcretismo. Respaldados pelas reflexões de Mário Pedrosa sobre a necessidade de, no Brasil, contrapor a cultura à natureza, concretos e neoconcretos divergiram e rivalizaram quanto ao fluxo da vida na arte. Este esforço, radical em ambas as frentes, é reconsiderado nas décadas seguintes, quando o projeto moderno perde força.  

Desde o período de formação, Novello observa uma geração de artistas para a qual estes movimentos e toda a pintura modernista é retomada criticamente. Já na primeira exposição – uma coletiva de pintura, com sete alunos do artista Chico Cunha, na Galeria Anna Maria Niemeyer no Rio de Janeiro (2008) –, os acontecimentos cromáticos têm importância em si, autonomia, entretanto contestam a exatidão e o cálculo. Já reverberam o viver, como as pinturas de Volpi que, como diz Novello, o intrigam por trazer “a cor como emoção”. Neste interesse paradoxal pela convergência entre estruturas geométricas e uma cor sensível e local, demonstra a observação da pintura de Lucia Laguna, que reconhece a fricção entre construção e improviso nas paisagens suburbanas cariocas. Indiretamente, o artista testa, ainda, o legado de Beatriz Milhazes, pelas camadas profundas de cor que emergem [na superfície?] e ativam uma noção de tempo na ausência da narrativa. 

Em Tempo e Lugar, Manoel Novello explora as possibilidades expressivas contemporâneas da cor, tendo em vista os conceitos fundamentais daquele espaço moderno autônomo. Insiste, porém, que percebemos, sobretudo, “relações” entre cores e formas, redefinidas no curso do tempo em que o olhar habita o quadro. Então, embora demarcadas, tal como as cores e tramas regulares dos espaços urbanos, se mostram instáveis e cambiantes.

Luiza Interlenghi  Abril, 2019


A Vida Íntima
CESAR KIRALY para a exposição COPACABANA, Galeria Ibeu, 2016

1. Esta escritura sobre a exposição do Manoel Novello é feita sob a lembrança de um belo livro do escritor argentino Adolfo Bioy Casares. Rememorar A Invenção de Morel com os últimos trabalhos do Novello na imaginação fez toda a diferença para o entendimento de ambos. No livro, Casares conta sobre um náufrago que se percebe numa ilha em que os habitantes desempenham sempre a mesma rotina. Aos poucos ele percebe que não são pessoas muito sistemáticas, mas imagens produzidas por uma máquina. Inclusive, por uma dessas representações, ele se apaixona.

2. Pode-se notar por que esse romance é tão invocado para se comentar os muitos desafios abertos pelo cinema na vida social. Mais ainda, o modo como essa arte repõe o tema da representação. Casares, ciente da possibilidade de tal encerramento, prepara uma armadilha. A máquina captura as pessoas que se tornam projetadas. Elas existem apenas a partir do movimento projetado. Uma forma de morte, mas também um tipo de vida eterna, como imagem condenada a repetir, se quisermos. Nesta artimanha, Casares desmonta a representação. Ela não é apenas um duplo do representado, como via de regra se a vê, mas, sobretudo, um substituto ambicioso. No caso, a representação não só substitui a pessoa, como não há mais o alguém representado, posto capturado pela máquina de projeção. Há vários filmes que retratam estrelas de cinema que se apegam à própria imagem de juventude, como é comum que alguém se prenda às gravações do passado. Os dois lados da representação se fusionam. A dimensão projetada se torna precedente à origem. Quem poderia discordar?

3. Lembrar d’A Invenção ao ver os trabalhos do Novello faz toda diferença, porque neste a projeção é abstrata. No mais das vezes se espera que a lembrança seja composta de figuras, como se a memória fosse a ilha do Casares, mas não poderia a máquina projetar figuras abstratas? No caso a máquina projeta aquilo “[...] que nenhuma testemunha admitirá que é imagem”, mas o fato é que essa imagem antes de nos fazer jurar abriga todas as sensações do capturado. Por isso pode ser tão perfeita. Então, e se a máquina projetasse a vida íntima da representação? Não o exterior, a pele, a fisionomia, e sim a condição dela, a sensação. A resposta seria uma máquina de mostrar abstrato. Está certo que nossa memória está repleta de pessoas que reconhecemos, além disso, envolvidas em romances familiares que nos concernem. Por isso até, o destino quase sempre trágico das lembranças. Ela é feita de personagens que se repetem no que temem repetir, na vida íntima das representações, os piores medos sempre se realizam. Mas se tomarmos todo o universo abstrato em que os personagens se inserem e as partes abstratas de que esses próprios personagens são feitos, então teremos o material para que a projeção seja a de cores embebidas da passionalidade do momento em que foram percebidas. A abstração das figuras que não podemos reconhecer, inchadas com as sensações que nos são inevitáveis. Uma vez que a condição de se induzir a causalidade é perdida, restam-nos as paixões e a cores, não o drama. Claro, as paixões, as cores e as formas não podem ser obtidas sem os seus contextos, mas não é necessário que o sentido das paixões, das cores e das formas seja aquele proveniente da narrativa.

4. “Não percebem o paralelismo entre os destino dos homens e das imagens?” – Casares pergunta. Se beneficiamos a composição abstrata da experiência, temos que concordar com a simbiose.  Trata-se, porém, de um destino indeterminado. Um que tem desarmada a expectativa causal. Qual a direção de todas essas cores e formas que estão sempre aos olhos, envolvedoras do corpo? Ora, as imagens seguem o mesmo caminho que seguimos, e não sabemos nosso destino. As cores e formas somente permanecem por algum tempo, depois somem. É preciso agarrar com muita vontade o romance familiar: mas as sensações nos envolvem sem esforço. Não é possível agarrar as sensações. Por isso “[...] a coincidência num mesmo espaço, de um objeto e de sua imagem total. Este fator sugere a possibilidade de que o mundo seja constituído, exclusivamente de sensações”.

5. A entrada mais comum na abstração, a mais desinteressante, é a que a compreende como arbitrariedade do nosso espírito com relação ao mundo. Ou mesmo descoberta da verdade por trás das coisas. A própria vanguarda abstracionista nunca se rendeu à forma como fato intelectual. O sintoma dessa resistência foi o aprofundamento de toda sorte de mística para explicar a presença de quadrados, triângulos e círculos nas obras de arte. A abstração do Novello nos leva à melhores instâncias. Ela pode ser compreendida pela relação com a experiência. As formas nem nos antecedem, nem são nossas contemporâneas, elas são geradas por uma das máquinas mais sofisticadas que fomos capazes de inventar: a de produzir harmonias. Poisbem, a máquina não é infalível, as representações possuem imperfeições, indeterminações e acidentes, estão sempre quebradas, mesmo que muitas casas depois da vírgula. Por isso a abstração do Novello remete tão fortemente à vida comum. Ela é construída sob plena consciência do acidente geométrico. As formas são experimentadas nos reflexos obtidos na cidade, pela observação distraída das luzes acendendo e apagando pelas janelas, nos canos aparentes subindo pelas paredes, na multiplicidade de cores nas fachadas, nas propagandas, nas roupas, na pluralidade de fendas no chão etc. Não é difícil perceber o abstrato por todos os lados da vida. Como diz Maya Deren, se vagarmos pela cidade com inocente disponibilidade, poderemos absorver a poética da abstração, sendo mais intensa quão mais imprevista. Em suma, bastasair para procurar por algo, sem saber exatamente o quê. Esta carga explicitamente impura da abstração do Novello a disponibiliza a ser lida conceitualmente.

6. Em 2014, Novello faz com que uma série de nove fotografias contraste com suas telas em acrílica. São vitrais e janelas escolhidas como quase-formas que se entregam na inocência. O abstrato impuro respira em seu anonimato. Além dessas fotografias, os títulos de suas exposições individuais flertam com o conceito, A Cidade em Projeto, A Cidade que me Guarda, e, agora, Copacabana. A cidade é o repositório da imaginação arquitetural, mas, e isso é mais sedutor, ela é, como dissemos, o duplo em que se pode observar os fragmentos de vida íntima do abstrato. A cidade se arrasta, está triste, histriônica, exultante, perdida etc. Nela estão nossas paixões reativas, impressões, cuja fisionomia é miríade de formas. Novello reúne e restaura a percepção ampla, aberta, que só nos é simples de ver quando estamos frágeis como vidro.

7. A cidade é uma das vias buscadas por Novello. Nisso torna explícito que seu abstrato é impuro, disperso na experiência. Ele é paisagem íntima perdida nas amplitudes das sensações que o distraimento nos permite. Esta forma de abstrato conceitual é curiosamente descritiva do modo como as paixões embebem o abstrato que nos ampara. Mas até aqui é como se houvesse distância entre o abstrato da intimidade e o disperso na vida comum. Novello tem procurado preencher esse espaço. Recentemente, no coreto do jardim do Palácio do Catete, sob um desafio instalativo proposto pela Isabel Portella, ele desenvolve o complemento entre a observação do mundo e a descrição do íntimo no abstrato. A instalação é composta por muitos fios de lã coloridos que desempenham trajetórias lineares, até que o peso de objetos de metal os obriga a ricochetear como se luz fossem e a fazer ângulo. Para Novello, há maciez no contato entre as sensações intrínsecas à vida e a elaboração dos planos descritivos em que as mostra em acrílica. É a sugestão de que a inocência, sugerida por Deren, é suspensiva e neutra. Ela é frágil, mas capaz de suportar o peso com que se a intercala. Ainda, é enfatizada, imprevisivelmente, por raios luminosos diretos ou intrometidos. Agora, ele repete a prática pela tensão dos fios na parte inferior da janela da galeria, como quem realiza o neutro também como um filtro, mais uma vez deixando a narrativa do lado de fora. Novello nos faz perceber que narrar e descrever são atividades distintas. A primeira se apoia em aura tendenciosa, rapidamente renunciada pela segunda. As telas possuem relevos variados em função dos diferentes tipos de tinta acrílica. As composições primam pelas transições suaves entre as cores intercaladas com benignos sustos de vermelho. A tela Atlântica rouba o ar com grandes espaços de tons mais suaves para o cinza e para o azul forrada por matizes bem escuros. Também podemos ser surpreendidos por corredores, como aqueles que nos fazem acidentalmente ver o mar por entre os edifícios. Há tanto a reconhecer, como nos nomes das ruas de Copacabana intercalados por Novello, em uma forma de poesia concreta.

Cesar Kiraly é Professor de Estética e Teoria Política no Departamento de Ciência Política da UFF e Curador da Galeria IBEU.




GÊNESE
ISABEL PORTELLA para a instalação Gênese, projeto Ocupa Coreto, Galeria do Lago, 
Museu da República, maio 2016.

Onde era só, de longe a abstracta linha

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte
Os beijos merecidos da Verdade.

Fernando Pessoa, Horizonte


Manoel Novello traz para o ambiente acolhedor do Coreto trabalhos com uma proposta bastante representativa de sua obra. Arquiteto de formação, Novello volta-se para o conceito da gênese do desenho. Partindo do pensamento do artista Paul Klee em que a linha é um ponto que saiu para caminhar, Novello questiona os trajetos que o ponto pode fazer. Utilizando fios coloridos e esferas metálicas, expande seu desenho através de todo o espaço, criando, nas intercessões, formas que brincam com a luz e as cores. O ponto é a semente que contém todas as premissas da criação. É dele que irão surgir concretamente o que a mente engendrou.
Linhas retas que se cruzam sempre estiveram presentes nas obras de Manoel Novello, e surgem da experiência direta com a cor e a estrutura, fazendo da linha uma de suas questões fundamentais. O pensamento construtivo do artista valoriza a modulação dos múltiplos elementos e a síntese das formas, derrubando, desse modo, barreiras entre abstração e figuração, criando um ambiente próprio e autônomo dotado de estrutura específica.
Se o ponto de partida leva a caminhos improváveis, o artista aceita desafios à procura da explosão criadora. 
GÊNESE é a representação de uma volumetria arquitetônica, como define seu autor. É também a trajetória da linha. E na essência da palavra encontramos a origem e o nascimento de tudo. É razão e motivo de evolução. É, enfim, causa que concorre para formação de algo maior.


                                                        ISABEL PORTELLA
maio 2016







Manoel Novello - a cidade que me guarda
ISABEL PORTELLA sobre a exposição A Cidade que me Guarda 
para a revista Dasartes ano 6 número 37, outubro 2014
                                                 
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo
Sophia de Mello Breyner Andresen

A exposição Manoel Novello a cidade que me guarda, do artista Manoel Novello, que aconteceu em outubro deste ano no Centro Cultural Candido Mendes, no coração de Ipanema, teve curadoria e texto crítico de Daniela Name.
As obras de Manoel Novello surgem da experiência direta com a cor e a estrutura, fazendo da linha uma de suas questões fundamentais. O pensamento construtivo do artista valorizou a geometria euclidiana, a ordem matemática, a modulação dos múltiplos elementos, a síntese das formas.  Luta pela liberação dos limites formais e tem em sua arte uma poderosa ferramenta de elaboração de linguagem e de realidade.
Mediante suas experimentações cromáticas revelou mecanismos de criação pictórica derrubando barreiras artificiais entre a abstração e a figuração, criando uma realidade própria e autônoma, dotada de estrutura específica.
Quem quiser conquistar a essência de uma cidade tem que primeiramente revesti-la com seu espaço interior, esse espaço muito íntimo que só é dado a nós conhecer e que alimenta a abundância das imagens. Sem limites. Pois, na verdade, esses são meros acidentes. Se assim podemos dizer, os dois espaços - o interno e o externo - vêm constantemente estimular um ao outro em seu crescimento. 
Quando o olhar do artista recai sobre a cidade que o cerca, vai despertar memórias, verdades e questões que habitam sua alma há tempos.  E então cada esquina, cada cruzamento surge como uma nova faceta do cenário já conhecido.  O espaço poético empresta maior amplitude ao objeto observado.  A cor e a luz intensificam a sobreposição de vários pontos de vista.
Manoel Novello sempre levou em consideração o dinamismo do ambiente externo, buscando captar aspectos visíveis e não visíveis.  A cidade, que é sua grande personagem, desdobra-se em ângulos que permitirão sua compreensão.  Cidade que guarda, protege e envolve, mas que também sufoca e oprime, dominando os sentidos. Sua história e geografia encontram-se inscritas nas telas com coloridos e linhas que ora invocam o dia, a tarde e a noite, ora sugerem a calma e o dinamismo. É preciso percorrer suas diagonais, procurar a saída dos labirintos em cada bloco dessa construção para assim decifrar seus mistérios e segredos.
  Sim, é possível “construir a forma justa de uma cidade humana que fosse fiel à perfeição do universo” como dizem os versos de Sophia Breyner que tanto encantaram Novello.  Ele também recomeça sem cessar, a partir das telas em branco, no seu mister de reconstrução. Em cada obra aparece o incansável desejo de construir uma cidade mais justa, uma cidade que abraça e guarda.  Enfim, uma cidade que seja o espelho de suas memórias e que desperte também, no espectador, anseios e perspectivas.
Isabel Portella
Outubro 2014






Pintura-canção
DANIELA NAME, para o catálogo da exposição A Cidade que me Guarda, 
Centro Cultural Cândido Mendes, Ipanema, setembro 2014.


Há uma “rua que não tem mais fim” deslizando, aveludada, pela voz de Gal Costa. A canção que enche a sala é Três da madrugada, criada a partir do poema de Torquato Neto. Sou tomada pelo som e pela Cidade que me guarda. O título desta exposição de Manoel Novello saiu de um dos versos que agora também ouso cantarolar enquanto escrevo: “esta cidade me mata/ de saudade/ é sempre assim...” 


Os três grandes trabalhos criados para esta individual no Rio de Janeiro aprofundam a relação de Novello com um léxico que vem da própria pintura. Batizados com nomes que se referem a momentos do dia – Matinal, Vesperal e Noturno – enfatizam a relação com uma paisagem que o pintor enxerga da janela de seu ateliê, instalado em um importante prédio modernista carioca. Em seu cotidiano de trabalho, o artista absorve esta cidade que vai se transformando ao engolir as outras cidades que ela mesma um dia foi. Metamorfose que contrasta com a imponência silenciosa do Pão de Açúcar e com os estados de humor do céu e as alterações de cor na Baía de Guanabara.  A cidade que muda de roupa conforme o dia passa e assim vai se despedindo da luz, guardando alguns tons, revelando outros.

Em Passagens, Walter Benjamin cita Baudelaire – “A forma de uma cidade muda mais rápido que o coração de um mortal”. A pintura poderia ser vista, em uma leitura apressada, como uma atividade de contemplação para quem cria e para quem vê.  E a janela do ateliê de Novello poderia evocar, de alguma maneira, a janela a partir da qual a pintura se constituiu. É uma janela que a pintura vem emulando, retratando e reconfigurando ao longo dos tempos. Mas a presença desta cidade movente e de suas tramas faz deste pintor um ator-observador flutuante, alguém que vai se reinventando junto com a paisagem que imagina. Esta talvez seja a grande inquietação do artista: fazer da paisagem uma experiência que é fluxo, e que parece poder continuar para além do limite físico de cada uma de suas telas. Esta é uma obra que se faz cartografia, mas aqui temos um mapa pouco respeitoso com as limitações impostas pelas fronteiras.

Na história da arte, a pintura que um dia foi apenas janela se soltou desta condição contemplativa e autocentrada para ganhar o espaço e se libertar do plano. Novello trabalha a partir dos índices desta transformação, projetando a geometria e a composição cromática de modo a fazer com que elas sejam também espaço reconstruído, espécie de arquitetura canibal que devora as ruínas das áreas de cor e dos traços, que vão se sobrepondo uns aos outros. Esta (re)pintura – acho que posso batizá-la assim – não abafa totalmente aquela que suplanta, guardando para o trabalho uma memória daquilo que um dia foi. 

Goethe chegou a dizer que música era “arquitetura líquida”, enquanto a arquitetura era “música petrificada”, ritmo congelado. Não me parece acaso que muitos dos títulos das obras de Novello partam do nome ou de um trecho de canção: ele pinta como quem faz música, evidenciando planos pelo rebaixamento de outros e criando um jogo extremamente potente com linhas diagonais, sempre postas em tensão com a grade de verticais e horizontais.  As diagonais expandem a pintura para além da pintura, criam infiltrações no grid, perturbando e enchendo de ruídos a rede de segurança moderna. Volto a Baudelaire e à sua cidade – a do poeta é Paris, é claro; mas poderíamos pensar em qualquer outra – que muda mais rápido que o curso do  coração. Penso em todas as metrópoles criadas a partir de um traçado racional e cartesiano – do tabuleiro que é Manhattan ao avião-cruz que procurou enredar Brasília. Todas explodiram para além de suas rígidas redes e precisaram rever seus mapas. A dureza das linhas retas   e a certeza de que são imutáveis –  não dão conta da vida de uma cidade. Novello mostra, com seu traçado fugidio e permanentemente reconstruído, que os eixos verticais e horizontais também não são suficientes para a pintura. Há sempre algo que escorre para além da linha, mancha de cor imprevista que reivindica seu espaço e exige a luz. As fotos do artista, apresentadas pela primeira vez nesta exposição, evidenciam seu interesse por este duelo entre potências: a paisagem que engole e é engolida pela construção, o eixo cartesiano tentando domar e também sendo dominado por aquilo que não se encaixa nele.

Em seu texto Confissão criadora[1], Paul Klee – ele mesmo um pintor de cidades criadas a partir de uma geometria imprecisa e onírica – propõe ao leitor que desbrave uma espécie de cartografia enquanto viaja com ele para “a terra do melhor conhecimento”. Pontos, linhas e suas variantes vão sendo apresentados como um alfabeto gráfico, mas também como uma espécie de paisagem. Um raio no horizonte pode ser uma linha em zigue-zague, um conjunto de pontos poderia nos fazer imaginar estrelas, um cruzamento de linhas poderia ser um campo de agricultura ainda não semeado. “Logo chegamos ao nosso primeiro pouso. Antes de adormecermos, algumas coisas surgirão como lembranças, já que uma pequena viagem como essa é carregada de muitas impressões”, escreve Klee.

A obra de Novello também nos convida a esta expedição, a este desbravamento.  Sua pintura nos faz  compreender a cidade como aquilo que o crítico literário Andreas Huyssen chamou de um “conglomerado de signos”. Ao analisar a reconstrução de Berlim oito anos depois da queda do Muro, constatou: “(...) a cidade sobre o Spree é um texto que está sendo freneticamente escrito e reescrito”[2].

Cidade é texto – e eu poderia aqui lembrar de Marco Polo percorrendo os povoados inventados por Italo Calvino; da Macondo de Gabriel García Márquez; do Rio subjetivo de Machado de Assis; do Recife que existe mais vivo na palavra de João Cabral. Cidade também é carne e é pedra, muitas vezes carne confrontando a pedra, e vice-versa, como nos ensina Richard Sennett. Por fim, volto a Torquato Neto que, cantado pelos Titãs, anuncia a cidade como um “sistema que invento”[3].

Ao falar da cidade como esta espécie de alfabeto da memória e do corpo, chego à montagem das pequenas aquarelas em tons de azul, criada especialmente para o espaço da galeria Candido Mendes. Reunidos em um site specific, estes trabalhos enfatizaram a diagonal, linha que parece querer levar a paisagem de Novello para conquistar outros mundos. No azul destes trabalhos, curiosamente pintados sobre cartões-postais[4], parece haver um quê de mensagem vinda de outro tempo.

Os gregos acreditavam que o mar era um espaço traiçoeiro, porque as estradas que percorremos sobre a água são imediatamente apagadas pelas ondas. É bonito imaginar os oceanos como uma reunião de caminhos invisíveis, percorridos em diversas épocas. É lindo também enxergar a obra de Novello como a aparição de apenas parte das paisagens que ela ainda guarda.  Escolhi pensar nisso, enquanto cantarolo com Gal e Torquato.





[1] KLEE, Paul. A confissão criadora. In: Sobre a arte moderna e outros ensaios. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
[2] HUYSSEN, Andreas. Os vazios de Berlim. In: Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.
[3] A canção é Go back, de Torquato Neto e Sérgio Britto.
[4] Novello realmente usou cartões-postais em  branco, criados especialmente pela Tate, de Londres.



Texto para o catálogo,
Manoel Novello - a cidade que me guarda
Centro Cultural Candido Mendes
Galeria Maria de Lourdes Mendes de Almeida
rua Joana Angélica, 63, Ipanema, Rio
abertura 30 de setembro 2014
de 01 de outubro de 2014 a 01 de novembro de 2014



Manoel Novello - a cidade que me guarda
DANIELA NAME para a exposição A Cidade que me Guarda
Centro Cultural Candido Mendes, Ipanema, setembro 2014

Há uma “rua que não tem mais fim” que desliza, aveludada, pela voz de Gal Costa. A canção que enche a sala é Três da madrugada, criada partir do poema de Torquato Neto. Sou tomada pelo som e pela  cidade que me guarda. O título desta exposição de Manoel Novello saiu de um dos versos que agora também ouso cantarolar enquanto escrevo: esta “cidade me mata/ de saudade/ é sempre assim...”

As três grandes pinturas reunidas aqui aprofundam a relação de Novello com um léxico que vem da própria pintura. Batizadas com nomes que se referem a momentos do dia ­– Matinal, Vesperal e Noturno ­– elas enfatizam a relação com uma paisagem que o pintor enxerga da janela de seu ateliê, instalado em um importante prédio modernista do Rio de Janeiro. A cidade que muda na medida que engole as cidades que um dia já foi é absorvida pelo olhar do artista no seu cotidiano de trabalho. Uma transformação que contrasta com a imponência silenciosa do Pão de Açúcar e com os estados de humor do céu e as alterações de cor na Baía de Guanabara.  A cidade que muda de roupa conforme o dia passa e vai se despedindo da luz, guardando alguns tons, revelando outros.

Este tempo que transforma a paisagem em território movente e em experiência talvez seja a grande inquietação do artista. Na história da arte, a pintura que um dia foi janela se soltou desta condição contemplativa e autocentrada para ganhar o espaço e se libertar do plano. Novello trabalha a partir dos índices desta transformação, arquitetando a geometria e a composição cromática de modo a fazer com que elas sejam também espaço reinventado, espécie de arquitetura canibal que devora as ruínas das áreas de cor e dos traços, que vão se sobrepondo uns aos outros. Esta (re)pintura – acho que posso batizá-la assim - não abafa totalmente aquela que suplanta, guardando para o trabalho uma memória daquilo que um dia foi.

Não me parece acaso que muito dos títulos de suas obras partam do nome ou de um trecho de canção: Novello pinta como quem faz música, evidenciando planos pelo rebaixamento de outros e criando um jogo extremamente potente com linhas diagonais, sempre postas em tensão com a grade de verticais e horizontais.  As diagonais expandem a pintura para além da pintura, criam infiltrações no grid, perturbando e enchendo de ruídos a rede de segurança moderna.

As fotos reunidas aqui na Candido Mendes, que o artista apresenta pela primeira vez, evidenciam seu interesse por este duelo entre potências: a paisagem que engole e é engolida pela construção, o eixo cartesiano tentando domar e também sendo dominado por aquilo que não se encaixa nele.  A montagem das pequenas aquarelas feitas em tons de azul, criada especialmente para o espaço da galeria, também enfatiza esta diagonal que parece querer levar a cidade de Novello para fora de suas fronteiras. No azul destes trabalhos, curiosamente pintados sobre cartões-postais, parece haver um quê de mensagem vinda de outro tempo. Os gregos acreditavam que o mar era um espaço traiçoeiro, porque as estradas que percorremos sobre a água são imediatamente apagadas pelas ondas. É lindo imaginar os oceanos como uma reunião de caminhos invisíveis, percorridos em diversas épocas. É bonito também enxergar a obra de Novello como a aparição de apenas parte das paisagens que ela ainda guarda.  Escolhi pensar nisso, enquanto cantarolo com Gal e Torquato.

Daniela Name
Curadora

Texto para a exposição,
Manoel Novello - a cidade que me guarda
Centro Cultural Candido Mendes
Galeria Maria de Lourdes Mendes de Almeida
rua Joana Angélica, 63, Ipanema, Rio
abertura 30 de setembro 2014
de 01 de outubro de 2014 a 01 de novembro de 2014



A cidade em projeto – Manoel Novello
LUIZA INTERLENGHI para a exposição A cidade em projeto,
Centro Cultural da Justiça Federal, Rio de Janeiro. Abril 2013

No encontro de cores, traçados e transparências há construções imaginárias: abrigos, passagens, monumentos. Pinturas e desenhos reverberam a arquitetura da cidade. Mas o artista desafia sua objetividade com incursões do pincel que enfrentam a contenção das linhas. Cortes e lacunas mostram a presença crua do papel. Em áreas monocromáticas, a linha ressurge apenas com o apurado acúmulo da tinta. A projeção isométrica dos planos é alterada por espaços que ora afastam-se ora aproximam-se. Indeterminados, testemunham um embate plástico entre a forma ideal, única, e ocorrências do acaso, percebidas de modo variável.

Cada trabalho concede uma intensidade cromática à geometria de casas conjugadas, à saturação urbana, ao abandono das empenas, à ilusão dos espelhos, à piscina turva... O corpo, ausente, aparece apenas na pincelada irregular, na linha que oscila e no que resta incompleto nestas projeções. Na densidade do urbano, ressurgem espaços desertos que mantêm a cidade à espera, em projeto.

Luiza Interlenghi
Curadora

Texto para a exposição,
A cidade em projeto - Manoel Novello
Centro Cultural Justiça Federal
avenida Rio Branco 241, Cinelandia, Rio de janeiro
abertura 02 de abril 2013
de 03 de abril a 19 de maio de 2013


PANORAMA AMPLIADO DA PINTURA
GONÇALO IVO, para a revista Dasartes, ano 4, número 28, junho/julho 2013

     "Le premier mérite d'un tableau c'estd'être une fête pour l'oeil"
     Eugene Delacroix

Um dos méritos e mistérios da grande arte da pintura é o fato de ter se mantido viva como linguagem inovadora ao longo do ultimo século. Resistiu às novas formas de expressão e meios que  pretensamente proclamados como modelos de substituição - que partindo da própria pintura e seu complexo vocabulário e sintaxe -na verdade ainda não foram capazes de formar um glossário linguístico capaz de gerar critica, reflexão profunda e densa.

Estamos diante da obra recente (2011 a 2013) do artista Manoel Novello. Diferente das propostas dos jovens pintores surgidos nas ultimas duas décadas que optaram por trabalhar uma figuração vinculada à narrativa do bizarro, do fantástico, ou a um tipo de expressionismo recorrente(Neo Rauch e Peter Doig), sua pintura se engasta nas proposições surgidas no inicio do século XX como o suprematismo, o construtivismo e as expandidas lições da Bauhaus. Walter Gropius em um texto escrito em Weimar em 1919 afirmava: formemos pois um novo grêmio de artesãos sem a pretensão classista de erigir uma arrogante barreira entre artesãos e artistas!

Pertencente a este pensamento e ação,Manoel Novello sabe que fazer é parte constitutiva do todo e que, sem ele, a linguagem da pintura jamais será consumada. Ha que se saber fazer.

Se os títulos dados a suas obras ja remetem a fatos ligados à cidade, sua arquitetura, seus pormenores e modos de projetar e existir (janela, vias de acesso, cidade amada), sua pintura também reflete esta vontade construtiva. É trabalhada pacientemente em sucessivas camadas de cor. Ha neste gesto a clara intenção do artista de chegar, através do oficio e da artesania refinada da pintura, a um colorido especifico. Neste estado de busca, momento instável onde as decisões racionais são tão importantes quanto as afetivas, se da o momento de iluminação e criação. Suas pinturas atuais são, como nos poemas de João Cabral, imaginação, concisão emocional e vontade construtiva.

A clareza das formas nos leva também a campos e espaços onde o rigor e a contenção imperam ao mesmo tempo em que uma ambígua profundidade nos transporta a paisagens, céus e verdumes.

Esta figuração se estabelece de forma sutil e apolínea. Aparece no plano da tela através de uma trama que engendra perspectiva. Basta verificar na obra "Panorama Ampliado" - a última produzida pelo artista para esta exposição - para confirmar não só o que propus nesta resenha bem como encontrar ali a assertiva de Eugene Delacroix quando afirma que o primeiro mérito de um quadro é ser uma festa para os olhos. ManoelNovello também trilha esta via de encantamento e sabe que ha muitas outras.

Reafirma na concretude de seus trabalhos que uma das funções da pintura é continuar sendo ela mesma, fiel a si própria e reconhecível como linguagem e expressão humana.

GonçaloIvo

Texto escrito para a seção Resenha da Revista Dasartes, ano4, número28, jun/jul 2013.
sobre a exposição "A cidade em projeto - Manoel Novello", curadoria e texto de Luiza Interlenghi


Manoel Novello recorre à pulsação do espaço urbano das grandes cidades. A malha da urbe é o território potencial de suas pinturas; espaço, forma e cor no seu trabalho exploram alguns itens que por vivencia estão introjetados em cada sujeito urbano: a arquitetura e sua geometria, o espaço em sua dinâmica e a velocidade em seu tempo.


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